Júri da Kiss: familiares enfrentam desgaste e criticam 'cinismo' de advogados durante o julgamento


Entre os parentes, Alan Turcato se destaca por não arredar o pé do plenário nos sete primeiros dias do júri. Ele espera por justiça pela morte do irmão, Lincon, e a cunhada, Mariana, vítimas do incêndio em 2013. Familiares das vítimas da Kiss no plenário do Foro Central de Porto Alegre Juliano Verardi / IMPRENSA TJRS O julgamento da boate Kiss completou sete dias, nesta terça-feira (7), e a previsão é que se estenda por, no mínimo, mais uma semana no Foro Central, em Porto Alegre. Se o desgaste era previsível, os familiares ainda assistem a repetidas cenas de momentos prévios à morte de seus parentes e a defesa de teses das defesas dos quatro réus. "Eu vim muito preparado para ver muita falsidade, muito cinismo", diz Alan Turcato Carabagialle, irmão de Lincon, uma das 242 vítimas do incêndio. AO VIVO: Acompanhe julgamento dos réus no caso Kiss Além do irmão de 21 anos, Alan perdeu a cunhada, Mariana Moreira Macedo, na época com 19 anos. Eles estavam na área VIP da casa noturna onde comemoravam, entre outras coisas, a aprovação de Lincon no mestrado. Ele se formaria semanas depois da tragédia, e coube a Alan, então com 15 anos, receber o diploma de Meteorologia em nome do irmão na Universidade Federal de Santa Maria. Alan não mudou a opinião crítica em relação ao Ministério Público mesmo com o trabalho dos promotores em buscar a condenação dos quatro acusados. No entanto, é firme em apoiá-los para que a sentença seja condenatória. "Cada um dos réus montou uma tese. O Ministério Público se acovardou muito tempo atrás. Era para ter muitos mais no banco dos réus. Agora, os erros e o corporativismo do Ministério Público não isentam os réus", pontua. "Não isentam esses quatro covardes que mataram o meu irmão e a minha cunhada", acrescenta. Alan perdeu o irmão Lincon e a cunhada Mariana no incêndio da boate Kiss Matheus Beck / g1 RS O que disseram os sobreviventes Kátia: 'comecei a gritar que não queria morrer', diz ex-funcionária que teve corpo queimado Kelen: 'última vez que corri foi para tentar me salvar', diz sobrevivente que teve perna amputada Emanuel: 'não soou alarme', conta sobrevivente especialista em prevenção de incêndio Jéssica: 'vi quando pegou a faísca', conta sobrevivente que perdeu irmão Lucas: 'eu desmaiei, fui muito pisoteado', diz DJ da boate Érico: 'ajudei até o final', conta barman que ajudou no socorro às vítimas Maike: 'parecia que estava respirando fogo' Cristiane: 'aquilo era um filme de terror' Delvani: 'fui caindo e me despedindo da minha família' Doralina: 'lembro de muito grito, muita confusão', diz ex-segurança Willian Renato: 'Ele queria voltar', diz sobrinho sobre Kiko Spohr Nathália: 'fiquei preocupada com a gravidez', relata esposa de Kiko sobre incêndio Lincon e Alan Carabagialle; o mais velho, à esquerda, morreu no incêndio da boate Kiss, em 2013, aos 21 anos Arquivo Pessoal Alan viajou por conta própria de Ijuí, no Noroeste do estado, para Porto Alegre. Em nenhum dos sete dias deixou a área das famílias dentro do plenário. Entre depoimentos emocionantes e outros que causaram revolta, ele ficou especialmente incomodado com o testemunho de Nathália Daronch, esposa de Kiko, um dos sócios da boate, que estava grávida na época. "O cara não teve a capacidade de voltar para buscar ela, mostrando o covarde que é. Para um cara como eu, que perdi um irmão e a cunhada, que morreu abraçado com ela, que um não sairia um sem o outro, ver que o dono da boate saiu sem prestar socorro para a própria namorada grávida na época foi o auge da falsidade e do cinismo", afirmou. O sobrinho e promoter da casa, Willian Renato Machado, de 27 anos, relatou ter visto Elissandro no lado de fora da boate, após o incêndio, mas afirma que ele foi impedido de reingressar no prédio. "Ele queria voltar. E a gente não queria deixar porque a gente não tava entendendo o que tava acontecendo", disse. 'Essa pergunta vai ficar sem resposta' Jorge Malheiros também é de Ijuí e acompanha o julgamento em Porto Alegre. Ele perdeu a filha Fernanda de Lima Malheiros, de 18 anos, no incêndio da boate Kiss. Para ele, além dos réus que respondem ao processo, o poder público deveria ser responsabilizado. "Cada um dos réu que tão sentado ali tem que responder pela sua responsabilidade em tudo isso. O grau de responsabilidade e a pena não sou eu que vou dizer. Mas vai ficar uma pergunta: e os outros? Está ficando cada vez mais claro aqui pra vocês, assim como está ficando claro pra nós, que desde o começo lá em Santa Maria que existem responsabilidades públicas aí que precisam ser melhor apuradas, e a sociedade merece essa resposta, e as famílias merecem essa resposta. Porque essa pergunta vai ficar sem resposta", diz. Sobre o longo tempo de duração do júri, que ainda não tem data prevista para acabar, Jorge diz que é desgastante mas faz parte do processo. "É desgastante, é. Mas faz parte do processo. Cada um ali dentro está defendendo sua narrativa. Cada um ali dos réus tem uma narrativa criada pelos seus advogados e eles estão tentando embasar essa narrativa. Eu acho que estamos perdendo bastante tempo com essas narrativas longas, de tentar convencer o jurado", destaca. Fernanda estava há apenas cinco meses em Santa Maria e cursava o primeiro semestre de Agronomia. "Infelizmente a irresponsabilidade desses senhores aí acabou resultando que ela teve essa trajetória interrompida e os sonhos nossos e dela infelizmente ficaram só guardados na lembrança". O que disseram as testemunhas Engenheiro diz que sugestão de sócio para instalar espuma acústica era 'leiga e ignorante' 'Artefatos não podem ser usados em ambiente fechado', diz gerente de loja Juiz transforma testemunha em informante após filha postar 'apodreçam na cadeia' 'Ele sofre por isso', diz ex-patrão de vocalista da banda ouvido em audiência 'Não era de costume informar as casas', diz testemunha de defesa sobre o uso de fogos nos shows Testemunha é convertida em informante por responder a processo por falsidade ideológica ligado à boate Promotor de eventos: 'Alguma coisa me tirou de lá' Irmão do vocalista da banda: 'nós não quisemos matar ninguém' Quem são os réus? Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, 38 anos, era um dos sócios da boate Mauro Lodeiro Hoffmann, 56 anos, era outro sócio da Boate Kiss Marcelo de Jesus dos Santos, 41 anos, músico da banda Gurizada Fandangueira Luciano Augusto Bonilha Leão, 44 anos, era produtor musical e auxiliar de palco da banda Entenda o caso Os quatro réus são julgados por 242 homicídios consumados e 636 tentativas (artigo 21 do Código Penal). Na denúncia, o Ministério Público havia incluído duas qualificadoras — por motivo torpe e com emprego de fogo —, que aumentariam a pena. Porém, a Justiça retirou essas qualificadoras e converteu para homicídios simples. Para o MP-RS, Kiko e Mauro são responsáveis pelos crimes e assumiram o risco de matar por terem usado "em paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso, contratando o show descrito, que sabiam incluir exibições com fogos de artifício, mantendo a casa noturna superlotada, sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza, bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório, além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo na boate". Já Marcelo e Luciano foram apontados como responsáveis porque "adquiriram e acionaram fogos de artifício (...), que sabiam se destinar a uso em ambientes externos, e direcionaram este último, aceso, para o teto da boate, que distava poucos centímetros do artefato, dando início à queima do revestimento inflamável e saindo do local sem alertar o público sobre o fogo e a necessidade de evacuação, mesmo podendo fazê-lo, já que tinham acesso fácil ao sistema de som da boate". VÍDEOS: Caso Kiss

Júri da Kiss: familiares enfrentam desgaste e criticam 'cinismo' de advogados durante o julgamento Júri da Kiss: familiares enfrentam desgaste e criticam 'cinismo' de advogados durante o julgamento Analisado por Blog em dezembro 08, 2021 Classificação: 5

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